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A análise institucional pode contribuir para a reflexão sobre nossos relacionamentos interpessoais?

Já ouviu falar em institucionalismo?

Segundo Baremblitt, um dos maiores pensadores da análise institucional, a sociedade é uma forma organizada de associação humana, uma rede, um tecido de instituições e a história é o devir da sociedade no tempo.

As instituições possuem uma lógica, que regula a atividade humana, o que deve e o que não deve ser feito. Esta lógica varia a forma e o grau de formalização e podemos encontrá-la nas normas, hábitos, leis, regularidades do comportamento.

Para uma sociedade humana existir, precisaríamos de, pelo menos, essas quatro instituições: instituição da língua, das relações de parentesco, da religião e da divisão do trabalho.

Dizer como essas instituições são formadas é uma tarefa difícil. Mas, podemos nos perguntar como elas se mantém ou como elas se transformam. Nos momentos de transformações, temos a força instituinte agindo, que é a atividade revolucionária, criativa, transformadora. A manutenção, a tendência ao resultado, a resistência, ou mesmo o efeito da força instituinte é o que é chamado de instituído.  

Assim, o funcionamento de cada instituição pode tanto reproduzir um sistema existente quanto abrir portas para novas formas de organização social e de vida.

Na psicologia, podemos usar a lógica institucional para questionarmos a lógica das nossas relações. Quais são os valores, os hábitos, a linguagem, a divisão do trabalho, os afetos que estão governando a nossa relação? Identificando isso, o que cada pessoa envolvida nessa relação pode fazer para favorecer mais o instituinte (o novo, a produção, a criatividade) de modo que se transforme o instituído (o que está dado, o que está em funcionamento)?

Referência:

Baremblitt. Gregorio F. Compêndio de análise institucional e outras correntes:  teoria e prática. 1 ª edição: Editora Record, 1992.

Ostras são moluscos, animais sem esqueleto, macias, que representam as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, paellas, sopas. Sem defesas – são animais mansos -, seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse, a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem. Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário. Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: “Ela não sai da sua depressão…”. Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro de sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de suas asperezas, arestas e pontas, bastava para envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava. Um dia, passou por ali um pescador com o seu barco. Lançou a rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-as para casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro de uma ostra. Ele o tomou nos dedos e sorriu de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola. Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele tomou-a e deu-a de presente para a sua esposa. 
       Isso é verdade para as ostras. E é verdade para os seres humanos. No seu ensaio sobre o nascimento da tragédia grega a partir do espírito da música, Nietzche observou que os gregos, por oposição aos cristãos , levavam a tragédia a sério. Tragédia era tragédia. Não existia para eles, como existia para os cristãos, um céu onde a tragédia seria transformada em comédia. Ele se perguntou então das razões por que os gregos, sendo dominados por esse sentimento trágico da vida, não sucumbiram ao pessimismo. A resposta que encontrou foi a mesma da ostra que faz uma pérola: eles não se entregaram ao pessimismo porque foram capazes de transformar a tragédia em beleza. A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável. A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se basta. Mas ela não cria. Não produz pérolas. São os que sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são os artistas. Beethoven – como é possível que um homem completamente surdo, no fim da vida, tenha produzido uma obra que canta a alegria? Van Gogh, Cecília Meireles, Fernando Pessoa…

Rubem Alves. Ostra feliz não faz pérola 

Qualquer amor já é
um pouquinho de saúde
um montão de claridade
contribuição
pra cura dos problemas da cidade

Qualquer amor que vem
desse vagabundo e bobo
coração atrapalhado
procurando o endereço
de outro coração fechado

Amor é pra quem ama
Amor matéria-prima
A chama
O sumo
A soma
O tema
Amor é pra quem vive
Amor que não prescreve
Eterno
Terno
Pleno
Insano
Luz do sol da noite escura
"qualquer amor já é
um pouquinho de saúde
um descanso na loucura"

Composição: Ivan Santos / Lenine

Você sabia que a mediação de conflitos vai muito além de resolver desentendimentos? Ela começa ao vermos o conflito não como um problema, mas como uma expressão natural das diferenças. O conflito é apenas uma das formas de lidarmos com nossas divergências.

A autora Tânia Almeida destaca quatro pilares fundamentais na mediação de conflitos que podem revolucionar nossas relações:

1️⃣ Ética: Cultivar uma autocrítica constante sobre a relação que mantemos com o outro. Reconhecer a legitimidade das necessidades e reivindicações do outro é essencial para fortalecer laços e promover respeito.
2️⃣ Pensamento Sistêmico: Enxergar o todo, em vez de focar apenas nas partes, permite a criação de soluções colaborativas. Abandonar a lógica de certo e errado e adotar uma abordagem coletiva, onde múltiplas perspectivas contribuem para a construção de sentido.
3️⃣ Diálogo como Processo: Valorizar a escuta ativa, evitando a contra-argumentação imediata. Em vez de desqualificar ou julgar, busque compreender. O objetivo é encontrar um consenso, não determinar vencedores e perdedores.
4️⃣ Reflexão: Faça uma análise interna sobre o que realmente está em jogo no conflito. Quais são seus valores e necessidades inegociáveis? Entender isso é fundamental para um diálogo genuíno.
 

Qual a relação entre diálogo e psicoterapia?

O diálogo ultrapassa o domínio das técnicas ou passos preestabelecidos, sendo essencialmente relacional e colaborativo. Ele nos convida a uma escuta genuína, na qual verdadeiramente nos abrimos para o outro. Diferente de uma sequência programada, o diálogo é espontâneo e, para os ansiosos, vale ressaltar: ele não pode ser planejado. É um processo repleto de incertezas e imprevisibilidades.

Para que o diálogo ocorra, é necessário um interesse autêntico pelo outro. Não podemos ouvir alguém com a pressuposição de que já sabemos o desfecho de sua história. A curiosidade deve ser o motor que nos impulsiona. Em minha prática clínica, adoto sempre uma postura de não saber, aproximando-me de cada paciente sem assumir que compreendo plenamente sua experiência. Um dos objetivos é desenvolver ao máximo o que precisa ser dito. Para isso, faço perguntas constantes e verifico se o que compreendi corresponde ao que o paciente realmente quis expressar.

É na aceitação da incerteza que cada encontro se torna verdadeiramente único.

Portanto, o diálogo na psicoterapia transcende técnicas; ele se fundamenta na abertura à incerteza, na curiosidade genuína e na escuta ativa, criando um espaço onde cada encontro é singular e significativo, favorecendo a transformação e o crescimento do paciente.

 

Referências

ANDERSON, HARLENE. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONVITE AO DIÁLOGO. In.: Nova Perspectiva Sistêmica, Rio de Janeiro, n. 56, p. 49-54, dezembro 2016.

Feliz
Gonzaguinha

Para quem bem viveu o amor
Duas vidas que abrem
Não acabam com a luz
São pequenas estrelas
Que correm no céu
Trajetórias opostas
Sem jamais deixar de se olhar

É um carinho guardado no cofre
De um coração que voou
É um afeto deixado nas veias
De um coração que ficou
É a certeza da eterna presença
Da vida que foi
Da vida que vai
É a saudade da boa
Feliz, cantar

Que foi, foi, foi
Foi bom e pra sempre será
Mais, mais, mais
Maravilhosamente amar

Composição: Gonzaguinha

O que é, de fato, escuta ativa?

O conceito de escuta ativa tem sido amplamente discutido, mas o que realmente significa escuta ativa?

Escuta ativa é uma ferramenta crucial na comunicação, especialmente em contextos de mediação de conflitos. Essa abordagem tem sido amplamente explorada por seu impacto positivo nas interações.

Escutar vai além de simplesmente ouvir. Enquanto ouvir é um processo passivo que ocorre através do funcionamento dos nossos órgãos auditivos, escutar é um ato consciente e intencional. A escuta ativa é o próximo passo: trata-se de ouvir com atenção plena, manter uma postura participativa durante o diálogo e validar o que o outro está expressando.

Quando praticamos escuta ativa, demonstramos um interesse pelo diálogo.
Demonstramos que  estamos presentes e engajados através de nossa postura física e emocional. Fazemos perguntas que incentivam o interlocutor a expandir sua narrativa e esclarecer suas ideias.

A autora Tânia Almeida sugere exemplos de perguntas que exemplificam a escuta ativa, como: “Você pode me falar um pouco mais sobre…?” e “O que você quis dizer com…?”. Essas perguntas são projetadas para aprofundar a compreensão e mostrar um interesse real pelo que está sendo dito.

Agora, convido você a refletir sobre sua prática diária com as seguintes provocações:

  • Você tem realmente escutado ou apenas ouvido as pessoas ao seu redor?

  • Como você demonstra interesse no que está ouvindo?

  • Você faz perguntas durante as conversas ou tende a assumir respostas que não foram expressas?

  • Como você reage quando o outro compartilha algo que não concorda com sua visão ou crença?

  • Você se permite silêncios durante o diálogo para refletir sobre o que está sendo dito?

  • Você se concentra mais em formular sua resposta do que em entender o que o outro está comunicando?

Desafie-se a praticar a escuta ativa hoje! Qual dessas perguntas você vai explorar primeiro? 

 

Referência

ALMEIDA, Tania. Caixa de ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos. São Paulo: Dash, 2014

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das
etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

 O que escrevi de nós é tudo mentira
é a minha saudade
        crescida no ramo do inacessível
é a minha sede
        tirada no poço dos meus sonhos
é o desígnio
        traçado sobre um raio de sol
        o que escrevi de nós é toda verdade
é a tua graça
        cesta cheia de frutos derramada sobre a erva
é a tua ausência
        quando me torno a última luz o último ângulo da rua
é o meu ciúme
        quando corro de noite entre os trens com
                  os olhos vendados
é a minha felicidade
       rio ensolarado que irrompe sobre os diques
o que escrevi de nós é tudo mentira
o que escrevi de nós é tudo verdade.

(Hikmet, 1933/1963, p.101)In.: CAROTENUTO, Aldo. Eros e pathos: amor e sofrimento. São Paulo: Paulus, 1994, p. 70-1.

"(...) Não posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. A acomodação em mim é apenas um caminho para a inserção, que implica decisãoescolha, intervenção na realidade. Há perguntas a serem feitas insistentemente por todos nós e que nos fazem ver a impossibilidade de estudar por estudar. De estudar descomprometidamente como se misteriosamente, de repente, nada tivéssemos que ver como o mundo, um lá fora e distante mundo, alheado de nós e nós dele. 

      "Em favor de que estudo? Em favor de quem? Contra que estudo? Contra quem estudo? "

 

FREIRE,Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p.77.

Pensei em acreditar, com uma convicção cada vez maior, que o que me é mais importante deve ser dito, verbalizado e compartilhado, mesmo que eu corra o risco de ser magoada ou incompreendida. A fala me recompensa, para além de quaisquer outras consequências. (...)

Ao tomar uma obrigatória e fundamental consciência da minha imortalidade, e do que eu deseja e queria para a minha vida, por mais curta que ela pudesse ser, prioridades e omissões ganharam relevância sob uma luz impiedosa, e o que mais me trouxe arrependimento foram os meus silêncios. Do que é que eu tinha medo? Eu temia que questionar ou me manifestar de acordo com as minhas crenças resultasse em dor ou morte. Mas todas somos feridas de tantas maneiras, o tempo todo, e a dor se modifica ou passa. A morte, por outro lado, é o silêncio definitivo. E ela pode estar se aproximando rapidamente, agora, sem considerar se eu falei tudo o que precisava, ou se me traí em pequenos silêncios enquanto planejava falar um dia, ou enquanto esperava pelas palavras de outra pessoa. E comecei a reconhecer dentro de mim um poder cuja fonte é a compreensão de que, por mais desejável que seja não ter medo, aprender a vê-lo de maneira objetiva me deu uma força enorme.

E ia morrer, mais cedo ou mais tarde, tendo ou não me manifestado. Meus silêncios não me protegeram. Seu silêncio não vai proteger você. Mas a cada palavra dita, a cada tentativa que fiz de falar as verdades das quais ainda estou em busca, tive contato com outras mulheres enquanto analisávamos as palavras adequadas a um mundo no qual todas nós acreditávamos, superando nossas diferenças. E foi a preocupação e o cuidado dessas mulheres que me deram força e me permitiram esmiuçar aspectos essenciais da minha vida.

(...) 

Quais são as palavras que você ainda não tem? O que você precisa dizer? Quais são as tiranias que você engole dia após dia e tenta tomar para si, até adoecer e morrer por causa delas, ainda em silêncio? (...)

E é claro que tenho medo, porque a transformação do silêncio em linguagem e ação é um ato de revelação individual, algo que parece estar sempre carregado de perigo. Mas minha filha, quando contei para ela qual era o nosso tema e falei da minha dificuldade com ele, me respondeu: “Fale para elas sobre como você jamais é realmente inteira se mantiver o silêncio, porque sempre há aquele pedacinho dentro de você que quer ser posto para fora, e quanto mais você o ignora, mais ele se irrita e enlouquece, e se você não desembuchar, um dia ele se revolta e dá um soco na sua cara, por dentro.”

Em nome do silêncio, cada uma de nós evoca a expressão de seu próprio medo - o medo do desprezo, da censura ou de algum julgamento, do reconhecimento, do desafio, da aniquilação. Mas acima de tudo, penso que temos a visibilidade em a qual não vivemos verdadeiramente. Neste país, onde diferenças raciais criam uma constante, ainda que velada, distorção de visões, as mulheres negras, por um lado, sempre foram altamente visíveis, assim como, por outro lado, foram invisibilizadas pela despersonalização do racismo. Mesmo dentro do movimento social das mulheres, nós tivemos que lutar e ainda lutamos, por essa visibilidade, que é também o que nos torna mais vulneráveis - a nossa negritude. Para sobrevivermos na boca desse dragão que chamamos de américa, tivemos de aprender esta primeira lição, a mais vital: que a nossa sobrevivência nunca fez parte dos planos. 

(...)

Cada uma de nós está aqui hoje porque, de uma forma ou de outra, compartilhamos de um compromisso com a linguagem, com o poder da linguagem e com o ato de ressignificar essa linguagem que foi criada para operar contra nós. Na transformação do silêncio em linguagem e ação, é essencial que cada uma de nós estabeleça ou analise seu papel nessa transformação e reconheça que seu papel é vital nesse processo. 

(...)

E nunca é sem medo - da visibilidade, da crua luz do escrutínio e talvez do julgamento, da dor, da morte. Mas já passamos por tudo isso, em silêncio, exceto pela morte. E o tempo todo eu me lembro disto: se eu tivesse nascido muda, ou feito um voto de silêncio durante a vida toda em nome da minha segurança, eu ainda sofreria, ainda morreria. Isso é muito bom para colocar as coisas em perspectiva.

(...)

Podemos aprender a agir e a falar quando temos medo da mesma maneira como aprendemos a agir e a falar quando estamos cansadas. Fomos socializadas a respeitar mais o medo do que nossas necessidades de linguagem e significação, e enquanto esperamos em silêncio pelo luxo supremo do destemor, o peso desse silêncio nos sufocará.

O fato de estarmos aqui e de eu falar essas palavras é uma tentativa de quebrar o silêncio e de atenuar algumas das diferenças entre nós, pois não são elas que nos imobilizam, mas sim o silêncio.

E há muitos silêncios a serem quebrados.

 

Fragmento de LORDE, Audre. A transformação do silêncio em linguagem e ação. In.: Irmã outsider. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019, p. 51-56.

Meu sogro era um alemão que veio para o Brasil após a Primeira Guerra. Filho de um pastor adventista, tinha uma série de tabus alimentares. Não comia carne de porco, camarão, frango ao molho pardo… E tinha também um tabu particular: detestava, sem nunca haver comido, miolo de boi. Pois um dia ele foi convidado a almoçar numa casa tipicamente brasileira. E ficou felicíssimo porque o prato principal era couve-flor empanada. Comeu, gostou, repetiu, encheu a barriga. Ao final, boca e estômago havendo aprovado, ele quis fazer um elogio à dona da casa. “Essa couve-flor estava divina!”, ele disse. Ao que ela esclareceu: “Me alegro que o senhor tenha gostado. Mas não é couve-flor. É miolo…”. Ouvida a palavra miolo, o estômago entrou em estertores e ele teve de sair correndo da mesa para vomitar no banheiro. O que foi que ele vomitou? Ele vomitou a palavra “miolo”. Nós gostamos não é da “coisa”, mas do nome que pomos nela…

 

Rubem Alves. In: Ostra feliz não faz pérola

Já faz anos que os cursinhos publicam as fotografias dos seus alunos que passaram em primeiro lugar nos exames vestibulares. Tais alunos bem que merecem, pois se trata de um feito extraordinário. Mas eu gostaria mesmo é que alguém fizesse uma pesquisa sobre o destino profissional desses gênios de memória. É preciso não confundir memória com inteligência.

 

Rubem Alves. In: Ostra feliz não faz pérola

Amor é isto: a dialética entre a alegria do encontro e a dor da separação. E neste espaço o amor só sobrevive graças a algo que se chama fidelidade: a espera do regresso. Quem não pode suportar a dor da separação não está preparado para o amor. Porque amor é algo que não se possui, jamais. É evento de graça. Aparece quando quer, e só nos resta ficar à espera. E, quando ele volta, a alegria volta com ele. E sentimos então que valeu a pena suportar a dor da ausência, pela alegria do reencontro.

Rubem Alves. In: Ostra feliz não faz pérola

Ao pensar a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: ‘Serei capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a minha velhice?’” (Nietzsche) Tudo o mais no casamento é transitório.

 

Rubem Alves. In: Ostra feliz não faz pérola

A vida na hora.


Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.

Não sei o papel que desempenho.
Só sei que é meu, impermutável.

De que trata a peça
devo adivinhar já em cena.

Despreparada para a honra de viver,
mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
Improviso embora merepugne a improvisação.
Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco, me explicando, é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.

Não dá para retirar as palavras e os reflexos,
inacabada a contagem das estrelas,
o caráter como o casaco às pressas abotoado
eis os efeitos deploráveis desta urgência.

Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes
ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
Mas já se avizinfia a sexta com um roteiro que não
conheço.
Isso é justo — pergunto
(com a voz rouca
porque nem sequer me foi dado pigarrear nos bastidores).

É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias. Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório.
Opalco giratório já opera há muito tempo.
Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.
E o que quer que eu faça,
vai se transformar para sempre naquilo que fiz.

Wisława Szymborska, Poemas

Olá, sou a psicóloga Marcelly, mãe, madrasta, apaixonada por literatura e demais expressões artísticas.

Tenho 14 anos de experiência no desenvolvimento humano. Sou graduada em Psicologia pela UFRJ,  em Filosofia (UERJ) e especialista em Educação (UFF). Atendo pessoas a partir de 12 anos.

Atenção: Se você estiver em crise, com ideação ou planejamento suicida, ligue para o Centro de Valorização da Vida - CVV (188). Em caso de emergência, procure o hospital mais próximo. Havendo risco de morte, ligue imediatamente para o SAMU (192), ou para o Corpo de Bombeiros (193).

Marcelly França Brandão de Carvalho - . Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Robson Ribeiro

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